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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Oma Edwirg Schultz


Bem, nesse diário, eu gostaria mesmo de dizer muito e tenho muito para contar. No entanto, sabem como é? Tem coisas, mesmo reconhecidamente toscas, que nunca devem ser ditas. Se ditas, negadas.
Escrever é uma entrega moral. Mesmo que não atentemos contra a Lei Magna, que não façamos mal à ninguém, podemos sofrer o calvário tal qual as bruxas medievais, que em sua maioria nem eram bruxas. "O inferno é a retina ignorante do outro"
Um colega hoje me ligou e disse que achou interessante a história de meu avô contada em minha última postagem. Então agora irão partes da história da minha avó paterna, aquela que me ensinou a andar e me dava chocolates escondido dentro da igreja. A história dela não é muito alegre, mas pelos filmes que fazem sobre as décadas do período de guerra, poucos viviam com alegria..
Minha avó veio para o Brasil casada, com cinco filhos da cidade de Keslin, Alemanha. Atualmente essa cidade não existe mais, provavelmente o território foi incorporado pela Polônia..
O que sei vem de fontes como de minha tia Gertrud (também falecida) e como era a mais velha do grupo de filhos, tinha lembranças mais significantes.
Ela relatou que a viagem de navio da Europa foi muito difícil. Um dos filhos de minha avó morreu de tifo no navio e foi jogado ao mar, como um outro no decorrer da viagem. Chegaram ao Porto de Santos e minha tia Gê disse ter se aterrorizado com imagem de um forte homem negro, porém ele carregava um cacho de bananas e ela disse que quando ele lhe ofereceu uma e ela provou, não parava mais de comer a fruta. Na verdade, ao menos os filhos da família, nunca tinham visto pessoas negras e muito menos bananas tropicais. Adoraram o doce da fruta e adoraram conhecer a pluralidade de pessoas existentes no nosso mundo.
Voltando à história da Oma (avozinha em alemão), toda sua família aqui no Brasil se estabeleceu. Tinham esperanças de conseguirem pequenas fortunas, mas a verdade é que só trabalharam e muito e não tiveram mais do que amizades com outros alemães. Não conseguiam fazer negócios e nem negociar a própria força de trabalho.
Com o tempo, meu avô, ex combatente de guerra, enlouqueceu e alcoólatra, foi expulso de casa. Minha Oma contava aos seus que numa ocasião sua mãe chegara a mandar passagens de navio para a volta. Mas só mandou para ela e seus filhos. Não mandou para ele. Então, ela teria mostrado as passagens para ele e dito que iria embora. Mas, ele começou a chorar, pedir perdão e na primeira chance de vulnerabilidade da Oma, tomou-lhe as passagens e as rasgou. Ali estava selado o destino de vovó e seus filhos no Brasil. Ela foi obrigada a ficar já que sua mãe não podia comprar novas passagens.
Ela e sua mãe trocavam cartas e ela sempre ficava feliz ao esperar as cartas de sua família alemã. No entanto, na metade da década de 40, as cartas pararam. Ninguém mais escreveu. E essa era uma de suas amarguras. Sem dizer de um irmão que tinha e que não esquecia sua morte. Nesse dia, ainda na Alemanha, durante a 1ª Grande Guerra, ela o esperava para o almoço na porta, não era seu parente mais querido, mas foi a imagem que permaneceu na memória por mais tempo. Esperando-o na porta ela o via andar em sua direção até que uma bomba explodiu bem onde ele estava. Ela disse que não entendeu nada. “- Como as pessoas podem partir assim? Ele só queria chegar em casa”.
No curso aqui no Brasil, Oma também sofreu por não aprender falar português. Numa ocasião, ela disse, que teria ido a um dentista e esse tentou estuprá-la.
Ela era uma mulher pequenina, não tinha mais do que 1.55 m e não entendo como coube tanto sofrimento em pouca extensão de corpo.
No final, ela contraiu Alzheimer e ironicamente acho que ela era feliz, quem não gostaria de voltar aos seus momentos felizes de infância se os momentos do presente não são tão interessantes? Ela teve a doença. Saia escondido da casa de sua filha eleita, Annelise, andava pelo bairro Quarto Centenário em Campinas e dizia que era porque sua mãe a chamava. Ela via a neve e um belo parque de diversões. Dizia que iria escorregar mas tinha que ser logo pois sua mãe a esperava.
Lembro-me de estar na primeira série do Ensino Fundamental em 1976, quando meu irmão Vitório chegou lá para me buscar, era porque Edwirg Schultz, havia falecido.
Ela ficou ao lado de todos até o final, mas só ela deveria saber o tamanho da saudade e da privação.
Eu gostaria que existisse realmente reencarnação. Assim ela nasceria de novo e teria mais chances de ser feliz.




Notas: A doença de Alzheimer é responsável pela deterioração progressiva da atividade intelectual, da memória, do raciocínio, da linguagem, do juízo crítico e da coordenação motora. Ela pode atingir pessoas de 40 a 90 anos, mas fica mais freqüente a partir dos 60 anos. Na maioria dos casos a falha de memória é o primeiro sintoma. Sabe-se que há alguma influencia hereditária, mas isso não garante que a pessoa vá desenvolver a doença. Apesar de não ter cura é muito importante o diagnóstico precoce porque no inicio da doença existe a possibilidade de se experimentar novas drogas mais eficazes que estão sendo testadas pelos cientistas do mundo inteiro. As principais vítimas são as mulheres numa proporção de dois para um.
Extraído do site: http://www.paranaclinicas.com.br/previnildo.php/previnildo.php?notid=7

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