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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O espelho da rua das Begônias


Quem ainda não se olhou no espelho? Quem não é escravo do espelho?
Interessante que olhamos para ele quando sabemos que teremos que olhar para alguém depois.
Como somos nós que olhamos para ele, também somos nós que tecemos juízos sobre o que vimos. Embora ele seja um autêntico aliado na luta estética e psíquica, ele também é um objeto multilateral. Jamais ele diria à alguém: " - Você é linda mas existe uma Branca de Neve mais bonita ainda". Se isso fosse verdade, provavelmente a raça humana caminharia somente com o sexo masculino.
A construção da imagem do espelho é sempre reflexo. Recebemos raios luminosos que percorreram uma trajetória angular e nada há por trás de um espelho do que o que buscamos ver..
Mas, quando saímos de casa, precisamos enfrentar mais do que ruas e asfaltos, precisamos enfrentar a retina do olhar dos outros..Homens, mulheres, rivais na disputa pela sobrevivência onde o encantamento vem da estética. Sempre nos miram ou nos fitam..
Narciso morreu pela imagem refletida nas águas e nós morremos quando o espelho nos engana e quando não conseguimos reconhecer que, depois dos trinta, é preciso pagar mais para reajustar algumas partes de nós que se deterioram..
Sob rígidas ordens da aparência nos mutilamos. Alguém faz cara de tesão ao depilar a virilha? ao modelar sobrancelhas? Ao puxar e puxar cabelos para fazer chapinha? Ao tirar cutículas?. E quantos formol e amônias já inalamos dizendo "- Tá tudo bem é só uma químicazinha". Sem dizer naquele docinho cruel que nunca poderemos comer, só ver em todos os lugares por onde passamos. Creio que um dia alguém disse: "- Vai para a terra, sofra mas seja bonito"
Doravante, ontem paguei por um alisamento de cabelos, está na moda e é imensamente aprovado pela retina alheia.
A moda é fato que se repete, possui o pecado original do retorno. No entanto, é o cerne do julgamento. Nossa visão é míope sem a moda.
As boas normas da aparência nos fazem perplexos ao ver fotos Bridget Bardo aos vinte anos. Aliás, acho que o inventor da primeira máquina fotográfica era um sádico. E medíocremente excluímos de nossos sensos, belos corpos já vividos e de todas suas significantes fases, apenas a dos vinte nos é plausível.
Na década de 70, havia a rebeldia transviada, Gal Costa gostava de exibir cabelos armados, porém, agora é novo ciclo. E no final das contas, cabelos lisos nos dão a impressão de "tudo certinho" e parece que revolução política não é bem o point do sec. XXI ...
Construímos nossa imagem de acordo com os olhos de nossa cultura e vivemos a ditadura da estética monolítica..Antes de nosso primeiro namorado ou cúmplice, constituímos uma sólida relação que não tem chances de divórcio, salvo em casos de depressão nervosa, com a estética..nossa alma gêmea sempre será a outra diante de nossa aparência mutante e paradoxalmente, repetitiva... Não obstante, o reconhecimento de nossa própria imagem nos é quase impossível até porque sua construção não foi feita exatamente por nós.
Agora sinto que os olhares que me dirigem nas ruas está bem diferente e realmente tenho dó de quem não tem R$ 600,00 para uma Escova Definitiva.
Assim, a coisa corre..enquanto podemos, a gente faz um ajuste aqui outro lá, aprende que agora é preciso que a pele realmente descanse à noite, que esportes fazem toda a diferença e que um dos projetos de vida é fazer uma caderneta, intocável, de poupança, para defendermos uma plástica corretiva. Dessa forma, também estamos colaborando com nosso aliado, o espelho e encarando com mais calma o olhar totalmente decifrável do outro.

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